Olhos abertos, desperta para o mundo, segue movimentos e tenta decifrar o mundo.
Poucos minutos de vida e toda uma vida pela frente.
Odores desconhecidos, envoltos em olhares com laços de amor atados em carinho.
A voz da mãe sobressai, então era esta voz que eu ouvia através da pele? Era ela que me acariciava quando agitada a pontapeava?
Que sensações estranhas! Frio, calor… Tudo é imenso!
O meu mundo alongou-se e eu tão pequenina e indefesa.
Quero o teu colinho minha mãe, sentir o rítmico bater do teu coração. Aquele som que me embalava e me transmitia tanta segurança e tanta paz.
O meu universo era tão pequeno, à distância da minha mão, tudo explorava e conseguia tudo o que desejava, ou melhor, que necessitava.
O teu toque era o meu consolo, atua voz a minha felicidade.
Onde estás, preciso de ti. Aconchega-me nos teus braços e repete que sou o teu mundo, a tua vida.
Dizes que sou linda mas tu és muito mais. Adoro o teu sorriso, o som da tua respiração e a melodia das tuas palavras.
É este o meu pai? Sim é, reconheço a sua voz e o seu toque. É tão boa a forma como me acaricia e tão doce o seu olhar.
Mãos estranhas tocam-me. Doces sons brotam das suas bocas. Quem são? O que querem?
Dizem que me amam, sinto que é verdade. Aconchegam-me e acariciam-me. Sorriem para mim e sinto o seu cheiro… cheiram de forma estranha, diferente. Ao seu colo sinto-me segura e amada.
Tenho fome. Quero minha mãe. Nunca tinha tido fome! Que coisa estranha entra pela minha boca! Que gosto estranho mas tão bom. Engraçado… chucho e engulo, será isto aquilo a que chamam comer?
Reconheço estas vozes e, finalmente vejo quem são. Parecem todos iguais! Esperem, afinal são todos diferentes! Estranho…
Estou cansada, quero dormir. Fecho os olhos e… que se passa? Estou molhada. Que coisa estranha e desconfortável… vou chorar… choro…
Alguém trocou esta pele molhada e eu sinto-me tão bem. Desconhecia, estas peles substituíveis, que estranho… será que se vão substituir mais vezes?
Fome, outra vez com fome. Então vai ser sempre assim? Minha mãe diz que me vai dar mama. O que é mama? Tenho de me alimentar, dizem… e eu chupo, parece que é assim que se mama. Deixo de ter fome, que bom!
Quero voltar para a barriga da mãe, estou cansada e quero dormir.
Durante a minha
infância, na minha aldeia, morei numa casa em que três portas se alinhavam.
Porta do quintal,
que dava para a cozinha, porta da cozinha para a sala de jantar e a porta da
rua.
A iluminação era
feita através de candeeiros a petróleo os quais tornavam o ambiente um pouco
irreal e propicio a divagações na minha cabecinha de criança.
Durante o serão
reuníamo-nos na cozinha e não havia o hábito de se fecharem as portas, hábito
que ainda mantenho atualmente.
Os meus brinquedos
estavam arrumados na parte inferior da mesa da cozinha, nada se podia estragar.
Ali estavam seguros e longe das mãos que as podiam estragar. Sim porque eu
estimava muito todos os meus brinquedos.
Como
todas as crianças adorava brincar imitando os adultos.
O
serão passava e as brincadeiras continuavam.
Passeava por toda a
cozinha mas, tinha um grande problema, quando cruzava a porta da sala de jantar
um vulto negro passava ao mesmo tempo.
Nos meus poucos
aninhos eu não percebia e, para evitar a sua presença, corria para que ela não
me alcançasse.
Sorte malvada, ela acompanhava-me sempre.
A
correria continuava sempre que passava pela dita porta.
Só algum tempo mais tarde
percebi que, este meu inimigo não era mais que a minha sombra.
O candeeiro projetava-me de uma
forma tão especial que tornava assustadora e irreal a minha própria sombra.